O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou nesta quinta-feira (21), por 9 votos a 2, a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas.
Para a maioria dos ministros, é inconstitucional limitar a demarcação de territórios dos povos indígenas à data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
A decisão é uma vitória para os indígenas, que se opunham à tese. Com o resultado do caso no Supremo, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) divulgou posicionamento comemorando o entendimento.
“O MPI seguirá acompanhando de perto as próximas etapas do julgamento até a formação da tese final, para garantir que a proteção dos direitos territoriais indígenas seja plenamente atendida”, disse a pasta.
Votaram contra o marco temporal:
- o relator, ministro Edson Fachin,
- Alexandre de Moraes,
- Cristiano Zanin;
- Dias Toffoli;
- Luiz Fux;
- Cármen Lúcia;
- Luís Roberto Barroso;
- Rosa Weber;
- Gilmar Mendes.
Votaram a favor:
- André Mendonça;
- Kassio Nunes Marques.
Na sessão desta quarta-feira (21), votaram Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber.
Grupos indígenas fizeram mobilizações durante todos os dias em que a Corte julgou o caso, desde 2021. Nesta semana, cerca de 300 acompanharam o julgamento por meio de um telão montado sob tendas em frente ao STF.
Lideranças também acompanharam a análise dentro do plenário da Corte.
Esta foi a 11ª sessão da Corte a tratar do tema. Entretanto, os ministros ainda devem voltar ao caso na próxima quarta-feira (27), para a fixação da tese de julgamento.
Na ocasião, devem ser definidos outros pontos relacionados ao tratamento jurídico sobre a posse indígena de suas áreas. Durante o julgamento, ministros apresentaram diversas propostas, com divergências entre si.
No momento de fixar a tese, a Corte poderá decidir, por exemplo, sobre as possibilidades de indenização a fazendeiros e ruralistas que tenham ocupado, de boa-fé, os territórios indígenas.
Há um debate entre os magistrados sobre se pontos como indenização podem ser definidos no escopo da ação que trata do marco temporal, ou se deve ficar para o debate dentro de uma outra ação, que tem esse objeto específico.
Com exceção do relator, Edson Fachin, os demais ministros que votaram contra o marco temporal entendem ser possível a indenização pelo valor da terra em si, além das eventuais benfeitorias feitas no território.
Atualmente, a lei só prevê indenização pelas benfeitorias. Há diferenças também sobre como se daria essa indenização: se vinculada ao processo de demarcação, ou se em um procedimento à parte.
Uma eventual vinculação poderia dificultar novas demarcações de terras indígenas, já que o pagamento das indenizações deveria ser feito antes da destinação da área aos povos originários.
Tal proposta é rechaçada pelos movimentos e entidades indígenas.
Outra questão que também enfrenta resistência de grupos indígenas é a que foi levantada pelo ministro Dias Toffoli, sobre as possibilidades de aproveitamento econômico das terras indígenas.
O ministro defendeu que seja reconhecida a omissão do Congresso em regulamentar norma sobre aproveitamento dos recursos naturais nas terras indígenas, o potencial energético de rios ou a pesquisa e a lavra das riquezas minerais. Ele propôs dar 12 meses para que congressistas regulamentem a questão.
Gilmar Mendes se manifestou a favor de debater essa questão.
O que é o marco temporal?
O marco temporal é uma tese defendida por ruralistas estabelecendo que a demarcação de uma terra indígena só pode ocorrer se for comprovado que os indígenas estavam sobre o espaço requerido em 5 de outubro de 1988 – quando a Constituição atual foi promulgada.
A exceção é quando houver um conflito efetivo sobre a posse da terra em discussão, com circunstâncias de fato ou “controvérsia possessória judicializada”, no passado e que persistisse até 5 de outubro de 1988.
Qual é o impacto do julgamento no STF?
O caso em discussão no STF tem relevância porque é com este processo que os ministros definem se a tese do marco temporal é válida ou não: tem repercussão geral.
O que foi decidido vale para todos os casos de demarcação de terras indígenas que estejam sendo discutidos na Justiça. Assim, a decisão do STF tem validade geral no sentido de considerar inválida a tese do marco temporal.
O Congresso passou a discutir o tema, com o objetivo de colocar o marco temporal na lei. A proposta foi aprovada na Câmara. No Senado, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) adiou para 27 de setembro a votação do projeto.
Nada impede que os congressistas continuem com a deliberação. Em caso de aprovação, ainda é preciso que a proposta passe por sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em um hipotético cenário de aprovação e sanção, o Supremo poderia ser acionado para derrubar a lei ou parte dela, dado que a Corte já considerou inconstitucional a tese do marco temporal.
Por que o tema começou a ser discutido?
O processo do marco temporal em discussão no STF teve repercussão geral reconhecida em 2019. Isso significa que a definição adotada pela Corte servirá de baliza para todos os casos semelhantes em todas as instâncias da Justiça.
O caso concreto é uma ação do Instituto do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (IMA) contra o povo Xokleng, da Terra Indígena Ibirama-La Klaño.
O território fica às margens do rio Itajaí do Norte, em Santa Catarina. Da população de cerca de 2 mil pessoas, também fazem parte indígenas dos povos Guarani e Kaingang.
O governo catarinense pede a reintegração de posse de parte da área, que estaria sobreposta ao território da Reserva Biológica Sassafrás, distante cerca de 200 quilômetros de Florianópolis.
A data da promulgação da Constituição Federal – 5 de outubro de 1988 – é o ponto central da tese do marco temporal. No artigo 231 da Carta Magna, está estabelecido o seguinte:
“São reconhecidos aos índios (sic) sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”
A proposição de um marco temporal já havia sido ventilada antes, mas ganhou tração a partir de um precedente que apareceu em julgamento do próprio STF, em 2009, quando a Corte julgou a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Na ocasião, os ministros entenderam que os indígenas tinham direito ao território, porque estavam no local na data da promulgação da Constituição.
A partir daí, a tese passou a ser mobilizada para os interesses contrários aos indígenas: ou seja, se eles poderiam também pleitear as terras sobre as quais não ocupassem na mesma data.
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