A pressão das big techs dos Estados Unidos — gigantes que dominam o mercado das plataformas digitais — estaria por trás da decisão do presidente norte-americano Donald Trump de impor uma tarifa adicional de 50% sobre todos os produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos. A avaliação é de especialistas ouvidos pela Agência Brasil, que apontam interesses econômicos e políticos na medida.
Na carta enviada ao governo brasileiro, Trump menciona “ataques contínuos do Brasil às atividades comerciais digitais de empresas americanas” e uma suposta “censura” contra plataformas de redes sociais dos EUA, as quais estariam sendo ameaçadas com multas milionárias e até expulsão do mercado brasileiro.
Para a professora Camila Vidal, de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), tanto as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo as big techs quanto a defesa do governo Lula pela criação de regras para a atuação das plataformas digitais no Brasil pesaram no anúncio de Trump.
“Os Estados Unidos são uma economia cada vez mais centrada nos serviços, e as big techs têm papel essencial nesse setor. Existe receio de efeito dominó a partir do exemplo que o Brasil pode dar para outros países, no sentido de limitar, de alguma maneira, a atuação dessas big techs”, avaliou Vidal.
Big techs contra regulação global
No início do ano, a Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, já havia declarado alinhamento político com Trump contra países que busquem regular big techs, como ocorre na Austrália e na União Europeia (UE).
No Brasil, discute-se a responsabilidade das plataformas digitais em relação à circulação de conteúdos criminosos, que incluem desde pedofilia e apologia à violência nas escolas até defesa de golpe de Estado. O STF determinou recentemente que as plataformas devem ser responsabilizadas por conteúdos ilegais.
O professor Luiz Carlos Delorme Prado, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também vê a pressão das big techs como motivação do tarifaço.
“Esse processo de regulação não ocorre apenas no Brasil. A União Europeia já estabeleceu vários mecanismos para regulamentar essas grandes empresas. É um movimento inevitável e está acontecendo aqui não apenas por razões econômicas, mas também políticas”, explicou Prado.
Regulação não é taxação, dizem especialistas
Pedro Rossi, professor de economia da Unicamp, destacou que o debate no Brasil não envolve taxação das big techs, mas apenas regulação e punições específicas em caso de violações às leis brasileiras.
“O que Trump pede é, no fundo, um absurdo do ponto de vista diplomático. É uma ingerência e um desrespeito à soberania do Brasil. O que a Justiça brasileira vai fazer por conta de uma ameaça econômica? Isso não tem cabimento do ponto de vista internacional”, criticou Rossi.
Para analistas, a medida anunciada por Trump funciona como uma sanção econômica com objetivos de chantagem política. Além do setor digital, Trump também estaria mirando o bloco Brics e interferindo em processos judiciais envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e o julgamento da tentativa de golpe no STF.
PL das Fake News travado no Congresso
O projeto de lei que criaria regras para as redes sociais, conhecido como PL das Fake News, teve sua tramitação suspensa em 2023. O então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), atribuiu a paralisação à forte ação de lobby das big techs.
Na carta enviada ao Brasil, Trump reforçou a retórica de censura contra as redes sociais, acusação frequentemente feita pelos aliados de Bolsonaro e por Elon Musk, dono da plataforma X (antigo Twitter). No ano passado, Musk entrou em embate direto com o Judiciário brasileiro, o que levou ao bloqueio temporário da plataforma no país.
Liberdade de expressão tem limites
A professora Flávia Santiago, de Direito Constitucional da Universidade Estadual de Pernambuco (UPE), lembrou que não há liberdade de expressão ilimitada em nenhuma democracia do mundo e que as plataformas que operam no Brasil precisam cumprir a legislação local.
“Cada democracia estabelece os seus limites. A democracia brasileira tem limites, e um deles é não pôr em dúvida as próprias instituições democráticas. Isso faz parte da nossa proposta de democracia, prevista na Constituição de 1988”, explicou Santiago.
Os perfis suspensos que Musk defendeu estão envolvidos em investigações sobre crimes como abolição violenta do Estado democrático de direito, previsto na Lei 14.197/2021.
Para analistas da ONG Washington Brazil Office (WBO), a extrema-direita no Brasil e nos EUA têm utilizado as decisões do STF para criar uma narrativa de suposta censura à liberdade de expressão, visando atacar as investigações sobre a tentativa de golpe ocorrida em 8 de janeiro de 2023.
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