Durante duas décadas, o romancista Samuel Graham-Felsen, formado em Harvard, recusou-se a doar qualquer quantia à sua antiga universidade. Para ele, Harvard simbolizava o elitismo e a concentração de riqueza — e não fazia sentido colaborar financeiramente com uma instituição que já possui um fundo bilionário.
No entanto, tudo mudou esta semana. O escritor, judeu e residente em Nova Jersey, decidiu contribuir com uma doação simbólica de US$ 108 (cerca de R$ 632), após a universidade rejeitar uma série de exigências do governo de Donald Trump. Entre as solicitações estavam auditorias por plágio em trabalhos acadêmicos e denúncias de estudantes internacionais às autoridades federais.
Em resposta à recusa de Harvard, o governo Trump congelou US$ 2,2 bilhões em financiamentos e anunciou planos para revogar o status de isenção fiscal da universidade. O motivo alegado: a instituição não estaria fazendo o suficiente para combater o antissemitismo.
A doação de Graham-Felsen foi um gesto de resistência. O valor escolhido é um múltiplo de 18 — número que, no judaísmo, simboliza a palavra “vida”. Segundo ele, foi uma maneira de rejeitar a ideia de que o governo estaria agindo em nome dos judeus.
“Quanto mais Trump punir Harvard financeiramente, mais eu vou doar. Não sou um cara rico”, afirmou.
Ele acrescentou que outros colegas e amigos também se sentiram motivados a doar pela primeira vez, em um gesto de apoio à universidade diante das ameaças do governo.
Reações divididas entre ex-alunos e críticos
Por outro lado, a resposta de Harvard desagradou críticos da direita. Kenneth Griffin, bilionário fundador de um fundo de hedge, já havia pausado suas doações à universidade devido ao que considera uma postura passiva diante do antissemitismo.
Outro ex-aluno, Shabbos Kestenbaum, que está processando a instituição, declarou nas redes sociais:
“Harvard está enfrentando o Trump com mais força do que jamais enfrentou o antissemitismo.“
O Clube Republicano de Harvard também emitiu nota criticando a universidade, alegando que a instituição teria se recusado a “reverter a captura ideológica”, em alusão à pressão do governo.
Uma batalha que vai além de Harvard
O episódio reflete o crescente ressentimento político em torno da imagem de Harvard. Acusada por alguns de reforçar uma “meritocracia falha”, a universidade passou a ser chamada por críticos de “faculdade altamente excludente”, por exaltar suas baixas taxas de aceitação como símbolo de prestígio.
No programa The Daily Show, o apresentador Ronny Chieng comentou de forma sarcástica:
“Finalmente encontramos uma força mais poderosa do que o ódio de Trump: o amor de Harvard por enviar cartas de rejeição.”
Apesar de reconhecerem que pequenas doações não mudarão o cenário financeiro da universidade, muitos ex-alunos consideram que o gesto tem um valor simbólico importante. “Não é mais apenas sobre Harvard”, resumiu Graham-Felsen.
Apoio de figuras influentes e ex-alunos famosos
Entre os que expressaram apoio à universidade estão nomes como o ex-presidente Barack Obama, os senadores Chuck Schumer e Bernie Sanders, e o professor emérito Laurence Tribe. Todos elogiaram a postura firme da universidade frente às pressões governamentais.
“É um caso maior do que Harvard”, disse Gil Pimentel, formado em 1984, que doou US$ 100 (R$ 585) após ler uma reportagem sobre a declaração do presidente interino da universidade, Alan Garber.
Pimentel enviou uma mensagem para cerca de 400 colegas de turma incentivando doações, incluindo nomes como o ex-secretário de Estado Antony Blinken, o advogado George Conway e a historiadora Heather Cox Richardson. Sua mensagem tinha o título “Lute Ferozmente, Harvard!”, reforçando que, mesmo sendo uma fração irrelevante para o orçamento da universidade, a doação representa apoio moral e político.
“Se o governo puder esmagar seus inimigos percebidos sem o devido processo ou respeito à legalidade, nossa democracia acabou”, concluiu Pimentel.
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