Washington, D.C. – Setores ligados a grandes empresas nos Estados Unidos estão atuando para tentar impedir a implementação de uma tarifa de 50% sobre produtos importados do Brasil, anunciada pelo presidente Donald Trump. Importadores de café e suco de laranja – que dependem fortemente de fornecedores brasileiros – e companhias dos ramos de petróleo, energia, farmacêutico e aéreo têm buscado interlocutores do governo brasileiro para reverter a medida, devido ao potencial impacto negativo para ambos os países.
Contexto das tarifas de Trump ao Brasil
No início de julho, Trump surpreendeu ao anunciar uma sobretaxa de 50% sobre todas as importações brasileiras, com implementação prevista para 1º de agosto de 2025. A medida veio acompanhada de uma carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na qual Trump vinculou explicitamente as tarifas a questões políticas internas do Brasil – em especial ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal, que ele classificou como uma “caça às bruxas”. O republicano também citou descontentamento com decisões judiciais brasileiras envolvendo empresas de tecnologia e liberdade de expressão como justificativa para a tarifa, que ele amparou na Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA).
A reação em Brasília foi de forte rejeição. O governo Lula tem buscado tratar do assunto estritamente na esfera comercial, recusando qualquer interferência em processos judiciais domésticos. Integrantes do Judiciário afirmaram que não recuarão no caso Bolsonaro, e o próprio Lula classificou a carta de Trump como uma tentativa de interferência na soberania do Brasil. Até o momento, canais formais de negociação estão suspensos – Brasília chegou a enviar uma carta pedindo diálogo, mas não obteve resposta da Casa Branca. Caso nada mude, a tarifação entrará em vigor já no início de agosto, elevando significativamente as barreiras para produtos brasileiros nos EUA.
Pressão de setores americanos por revisão
Diante desse cenário, diversos setores empresariais norte-americanos mobilizaram-se para pressionar por uma revisão ou adiamento da tarifa. Empresas importadoras de café e suco de laranja, por exemplo, têm procurado autoridades brasileiras e americanas para enfatizar os prejuízos que a sobretaxa traria às cadeias de suprimentos e aos consumidores. Os EUA importam do Brasil cerca de 65% a 70% de todo o suco de laranja que consomem, e o Brasil é o maior fornecedor individual de café, respondendo por 20% a 30% das importações americanas, a depender da safra. Com tamanha dependência, distribuidores alertam que a tarifa de 50% encareceria drasticamente esses produtos nos supermercados americanos e poderia causar desabastecimento pontual.
Grandes corporações dos setores de petróleo e gás, farmacêutico e aeronáutico também manifestaram preocupação. O Brasil está entre os cinco principais fornecedores de aeronaves e peças para os EUA (graças à Embraer) e é um exportador relevante de produtos químicos utilizados pela indústria farmacêutica americana. Na área de energia, o Brasil fornece cerca de 5% a 6% do petróleo bruto importado pelos EUA. Representando empresas como ExxonMobil e Chevron, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) divulgou nota ressaltando a inquietação do setor petrolífero com a medida. Segundo o IBP, a tarifação traz incerteza para um ramo que responde por 17% do PIB industrial brasileiro e emprega 1,6 milhão de pessoas no Brasil, além de destacar que petróleo foi o principal produto de exportação brasileiro em 2024. Ou seja, trata-se de uma commodity crucial na pauta bilateral, agora sob ameaça de encarecimento abrupto.
A Câmara de Comércio dos EUA (US Chamber), maior associação empresarial americana, foi uma das vozes mais enfáticas contra as tarifas. Em nota pública conjunta com a Amcham Brasil, a entidade fez um apelo por negociação para evitar a entrada em vigor da sobretaxa em 1º de agosto. A câmara estimou que cerca de 6.500 pequenas empresas americanas seriam impactadas pela medida. “A tarifa proposta de 50% afetaria produtos essenciais às cadeias produtivas e aos consumidores norte-americanos, elevando os custos para as famílias e reduzindo a competitividade de setores produtivos estratégicos dos Estados Unidos”, alertou a entidade na nota oficial. Esse aumento de custos poderia se refletir em alta de preços para o consumidor final – estimativas indicam até 25% de incremento nos preços de alguns produtos importados, como suco de laranja, caso a tarifa vigore por completo.
Como trunfo legal, uma distribuidora americana de suco de laranja, a Johanna Foods, recorreu à Justiça para tentar barrar a medida. A empresa protocolou uma ação no Tribunal de Comércio Internacional, em Nova York, argumentando que Trump excedeu sua autoridade ao vincular tarifas alfandegárias a um assunto político interno, o que não caracterizaria emergência nacional para acionar os poderes especiais da IEEPA. A Johanna Foods alega que a taxa de 50% elevaria seus custos em cerca de US$ 68 milhões por ano e representa uma “ameaça existencial” ao seu negócio. A ação judicial pede uma liminar (medida cautelar) para suspender a implementação das tarifas enquanto o caso é analisado. Essa é a primeira contestação formal contra o tarifaço de Trump ligada ao Brasil, e outros importadores podem seguir o mesmo caminho caso o governo americano não volte atrás.
Impacto potencial para o Brasil e o comércio bilateral
Para o Brasil, as tarifas de 50% impostas pelos EUA teriam efeito imediato sobre setores chave da economia. O país exporta volumes significativos de bens de agronegócio, manufaturados e energia para o mercado americano. Somente em 2024, as exportações brasileiras aos EUA atingiram um recorde de US$ 40,3 bilhões, com destaque para produtos como petróleo bruto, aeronaves, café, celulose e carne bovina entre os mais vendidos. Esses itens estão agora no alvo da sobretaxa, o que poderia reduzir a competitividade do produto brasileiro e até fechar o acesso de alguns deles ao mercado norte-americano devido ao aumento de custos. Entidades como a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR) calculam que, no caso do suco de laranja, a nova alíquota representaria um salto de +533% na carga tributária total incidente, praticamente inviabilizando as vendas para os EUA. Exportadores de café, proteína animal e outras commodities também temem perder espaço para concorrentes de outros países se a barreira tarifária for adiante.
No comércio bilateral como um todo, o efeito pode ser de enfraquecimento de uma relação que vinha se fortalecendo nos últimos anos. Os EUA são hoje o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China. A corrente de comércio (soma de exportações e importações) entre brasileiros e americanos ultrapassou US$ 80 bilhões em 2024, crescendo 8,2% em relação ao ano anterior. Com as tarifas de Trump, há risco de queda acentuada nesse fluxo. Produtos brasileiros encarecidos perderiam mercado nos EUA, enquanto indústrias americanas que dependem desses insumos enfrentariam custos mais altos, repassados em parte aos consumidores domésticos. Analistas apontam que, além do prejuízo econômico imediato, a medida abala a confiança mútua e pode desencadear disputas diplomáticas ou na Organização Mundial do Comércio (OMC) caso seja mantida por muito tempo. Também existe o temor de medidas retaliatórias por parte do Brasil, embora o governo Lula não tenha sinalizado essa intenção até agora, preferindo tentar o diálogo.
Quais os próximos passos esperados
Apesar da tensão gerada, ainda há expectativa de que a pressão dos setores privados e de entidades de classe resulte em alguma solução antes do prazo final. Empresários dos dois países têm atuado nos bastidores para abrir canais de diálogo. A mobilização de gigantes americanos é vista pelo Itamaraty como uma aliança crucial para convencer Washington a recuar. Observadores acreditam que o governo Trump poderia ao menos postergar a vigência da tarifa enquanto negocia termos com Brasília, caso sinta que a medida pode gerar danos políticos internos – sobretudo junto aos agricultores, indústrias e consumidores americanos afetados.
No curto prazo, todos os olhos estão voltados para a data de 1º de agosto. Até lá, espera-se:
1 – um eventual sinal verde da Casa Branca para negociadores iniciarem conversas formais com o Brasil, o que não ocorreu até agora;
2 – decisões judiciais nos EUA sobre pedidos de liminar, como o da Johanna Foods, que poderiam suspender temporariamente a tarifa;
3 – eventuais pronunciamentos de líderes do Congresso americano, já que senadores de ambos os partidos poderiam questionar Trump sobre os efeitos internos da sobretaxa. Caso nenhum desses movimentos tenha sucesso, a tarifa extraordinária entrará em vigor na data prevista, obrigando empresas de ambos os lados a se adaptarem rapidamente ou interromperem negócios.
Para o Brasil, o governo Lula sinaliza que continuará buscando uma solução negociada estritamente comercial – possivelmente oferecendo contrapartidas em outras frentes comerciais – mas sem ceder a pressões relativas a assuntos jurídicos domésticos. A narrativa de defesa da soberania nacional deverá ser mantida publicamente, enquanto diplomatas tentam desatar o nó por meio do diálogo técnico. Se a tarifa for de fato aplicada, o episódio tende a agravar as relações Brasil-EUA no curto prazo, marcando o primeiro grande atrito comercial entre os dois países na nova gestão Trump. Por outro lado, um acordo de última hora revertendo ou amenizando as sobretaxas poderia até fortalecer os laços comerciais, mostrando o peso da cooperação entre os setores privados de ambos os países para evitar um conflito econômico. Nos próximos dias, a combinação de negociação diplomática, lobby empresarial e batalha judicial indicará qual será o desfecho dessa disputa tarifária de alto risco para o comércio bilateral.
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