As mudanças climáticas e a poluição por microplásticos podem afetar diretamente a biodiversidade de fungos aquáticos amazônicos. Esses micro-organismos, apesar de invisíveis a olho nu, cumprem um papel central ao decompor folhas e garantir o fluxo de nutrientes nos ambientes de água doce.
Com a redução desses fungos, a decomposição das folhas nos igarapés diminui, o que significa menos nutrientes na água, menos alimento para organismos aquáticos e alterações em toda a cadeia alimentar. Isso pode afetar desde insetos até peixes, impactando a pesca, a segurança alimentar das comunidades e até o abastecimento de água.
Além disso, a perda da biodiversidade de fungos pode comprometer o ciclo do carbono e a qualidade da água, já que são os “recicladores” do ecossistema. Quando não funcionam bem, todo o equilíbrio ecológico dos igarapés é ameaçado.
Esses resultados fazem parte de um estudo realizado por cientistas da UFPA, INPA, UFBA e UFMT, dentro do projeto ADAPTA II (Adaptações da Biota Aquática da Amazônia). O trabalho foi publicado na revista científica Science of The Total Environment.
O experimento foi conduzido em câmaras climáticas em Manaus (AM), que simulam os futuros cenários de temperatura e concentração de CO₂, além de diferentes níveis de microplásticos — uma infraestrutura única no Brasil. Essas câmaras registram e atualizam os dados em tempo real com base em medições de uma floresta urbana em Manaus, oferecendo uma simulação mais realista do que poderá ocorrer com os igarapés.
Cenários alarmantes de aquecimento e poluição
Três cenários foram simulados:
- Controle: Condições ambientais atuais com temperatura e CO₂ em tempo real.
- Intermediário: +3,3°C e +702 ppmv de CO₂.
- Extremo: +5,1°C e +1089 ppmv de CO₂.
Para os microplásticos, as concentrações testadas foram 0 (controle), 18 e 180 partículas por mililitro.
Folhas da árvore amazônica Nectandra cuspidata foram colonizadas por fungos em um igarapé natural e depois expostas nas câmaras. O objetivo foi analisar a sobrevivência e reprodução dos fungos, e sua capacidade de decompor matéria orgânica — uma função crucial para os igarapés.
Resultados preocupantes para a saúde dos ecossistemas
A combinação de mudanças climáticas e microplásticos afetou mais a reprodução dos fungos do que cada fator isolado. No cenário intermediário com alta concentração de microplástico, houve queda acentuada na produção de esporos — essencial para a dispersão e manutenção dessas espécies.
Curiosamente, no cenário extremo, houve aumento na produção de esporos, o que sugere que os efeitos combinados desses estressores podem gerar respostas inesperadas, dificultando previsões. Ainda assim, a função ecológica dos fungos foi comprometida.
A riqueza total de espécies não diminuiu, o que indica uma certa resiliência. No entanto, a composição da comunidade fúngica foi alterada, favorecendo espécies menos eficientes na decomposição — o que impacta negativamente o ciclo de nutrientes e o funcionamento dos igarapés.
Efeitos em cadeia no clima, na biodiversidade e na água
A decomposição microbiana, principal forma de reciclagem nos igarapés, foi reduzida, desacelerando o processo de quebra da matéria orgânica. Isso não só ameaça a biodiversidade aquática, como também pode afetar a liberação de gases como CO₂ e metano, retroalimentando o aquecimento global.
Além disso, a menor decomposição pode comprometer a potabilidade da água, reduzindo o acesso a um recurso essencial para milhares de comunidades da Amazônia. Os impactos vão além do local, podendo afetar o clima em escala global.
Um dos achados mais promissores foi o aumento da produção de esporos da espécie Pestalotiopsis microspora em ambientes com mais microplástico. Essa espécie já foi relatada como capaz de degradar poliuretano, um tipo de plástico, e agora pode ser explorada como ferramenta de biorremediação — o uso de organismos para descontaminar ambientes.
A pesquisa reforça que entender os impactos ambientais na Amazônia, com sua biodiversidade, é crucial para desenvolver ações eficazes de adaptação e mitigação. Os dados obtidos nas câmaras climáticas são fundamentais para subsidiar políticas públicas ambientais com base científica local.
Como destacam os cientistas envolvidos, proteger os pequenos organismos que sustentam os ecossistemas é tão urgente quanto preservar as grandes florestas. A saúde dos igarapés é chave para o equilíbrio ecológico da maior floresta tropical do mundo.
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