Militares anunciaram na quarta-feira (26/07) que tomaram o poder no Níger uma nação instável e empobrecida da África Ocidental, após soldados tomarem o palácio presidencial na capital, Niamey, e prenderem o presidente democraticamente eleito do país, Mohamed Bazoum, que estava no poder desde 2021.
Em um comunicado, divulgado na televisão na quarta-feira, o coronel Amadou Abdramane, ladeado por outros nove oficiais fardados, disse que as forças de defesa e segurança decidiram “pôr fim ao regime devido à deterioração da situação de segurança e à má governança”.
O coronel ainda anunciou que as fronteiras do país permaneceriam fechadas e que seria imposto um toque de recolher nacional a partir da quinta-feira, das 22h às 5h, até segunda ordem. Os militares também advertiram contra qualquer intervenção estrangeira.
Nesta sexta-feira, o general Abdourahamane Tchiani, que liderava a Guarda Presidencial desde 2011, se autodeclarou o novo chefe de Estado do país em pronunciamento em rede nacional.
Bazoum está detido em sua residência oficial. Na quinta-feira, seu perfil no Twiter publicou um comunicado curto. “As conquistas arduamente conquistadas serão salvaguardadas. Todos os nigerinos que amam a democracia e a liberdade cuidarão disso”, diz o texto.
Enquanto isso, o ministro das Relações Exteriores do Níger, Hassoumi Massoudou, pediu à população que se oponha ao golpe.
Uma das nações mais pobres e instáveis do mundo
Com mais de 75% de sua área de terra coberta pelo Deserto do Saara e sem acesso ao mar, o Níger, um país predominantemente islâmico de 25 milhões de habitantes, é uma das nações mais pobres do mundo. Seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de apenas 0,400, o que coloca o país na posição 189 no ranking do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), à frente apenas do Chade e Sudão do Sul.
Ex-colônia francesa que obteve a independência em 1960, o país já foi palco de quatro bem-sucedidos golpes militares e teve cinco Constituições diferentes nas últimas décadas. Bazoum, o atual presidente, havia se tornado em 2021 o primeiro chefe de Estado eleito a assumir o poder numa transferência de poder pacífica de um antecessor igualmente eleito – Mahamadou Issoufou. Ainda assim, Bazoum sofreu uma tentativa de golpe dois dias antes da posse.
Onda de golpes na região
A derrubada do governo no Níger marca o sétimo golpe na África Ocidental e Central desde 2020. O último golpe bem-sucedido no Níger havia ocorrido em 2010, quando o então presidente Mamadou Tandja foi derrubado por militares. Recentemente, outros países do Sahel (região que compreende a faixa de transição entre o Saara e a África subsariana), como o Mali e Burkina Faso, também tiveram seus governos derrubados, com a instalação de militares no poder.
Tanto no Mali quanto em Burkina Faso, os militares justificaram suas ações com argumentos similares aos dos golpistas do Níger, afirmando que os governos civis eram incapazes de conter a deterioração da situação de segurança, afetada pela ação de grupos jihadistas islâmicos.
Governo derrubado era aliado do Ocidente na luta contra jihadismo
O governo de Mohamed Bazoum era um dos últimos aliados do Ocidente no Sahel, região que há anos sofre com a ação de jihadistas de grupos ligados ao “Estado Islâmico” (EI) e à Al Qaeda. Antes de serem palcos de golpes, Mali e Burkina Faso abrigavam tropas francesas que agiam contra os jihadistas, mas elas foram forçadas a deixar as duas nações quando os militares que tomaram o poder passaram a cultivar laços mais estreitos com a Rússia.
O Mali, no momento, é uma das bases de operação do grupo de mercenários Wagner, que já foi acusado de cometer massacres no país. Em abril, surgiram rumores que a junta militar de Burkina Faso estaria negociando com a Rússia para o envio de mercenários ao país. Em 2016, a França já havia retirado o grosso das suas tropas da República Centro-Africana, outro país da região afetado pelo jihadismo. Desde então o governo do país africano passou a contar com o apoio do Grupo Wagner.
Após Mali, Burkina Faso e República Centro-Africana terem se afastado do Ocidente, o Níger passou a concentrar ajuda militar do Ocidente. Os Estados Unidos afirmam que gastaram cerca de 500 milhões de dólares desde 2012 para ajudar o Níger a aumentar sua capacidade de segurança. A Alemanha anunciou em abril que reforçaria sua cooperação militar com o Níger. Berlim mantém algumas dezenas de militares na capital nigerina como instrutores e consultores. Mas a maior presença ocidental no Níger é a da França, que mantém mais de mil soldados em Niamey e em regiões afetadas pelo terrorismo jihadista.
Agora há dúvidas sobre como o novo governo militar vai lidar com a presença de forças ocidentais. “Bazoum tem sido a única esperança do Ocidente na região do Sahel. A França, os EUA e a UE [União Europeia] gastaram muitos de seus recursos na região para fortalecer o Níger e suas forças de segurança”, avaliou Ulf Laessing, especialista sobre a região do Sahel da Fundação Konrad Adenauer, da Alemanha. “Um golpe pode mudar tudo e também abrir a porta para a expansão da influência da Rússia.”
Condenação internacional
Após o anúncio do golpe, o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse, por meio de um porta-voz, que condena “veementemente a mudança inconstitucional de governo” no Níger e apela “à cessação imediata de todas as ações que atentam contra os princípios democráticos no Níger”.
Já a França, potência que tem laços estreitos com o Níger, declarou que rejeita “qualquer tentativa de tomada do poder pela força”.
Os Estados Unidos também exigiram “especificamente que os membros da guarda presidencial libertem o presidente Bazoum e se abstenham de toda violência”, lembrando que o Níger é “um parceiro crucial” para Washington. “Falei com o presidente Bazoum na manhã desta [quarta-feira] e deixei claro para ele que os Estados Unidos o apoiam firmemente como presidente democraticamente eleito do Níger. Pedimos sua libertação imediata”, disse o secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken.
O presidente da Comissão da União Africana, Moussa Faki Mahamat, condenou o que chamou de “tentativa de golpe” no Níger.
Bola Tinubu, presidente da vizinha Nigéria e presidente da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Ecowas), classificou os eventos no Níger de “desenvolvimentos desagradáveis” e disse que já estava promovendo consultas com outros líderes da região sobre a situação. “A liderança da Ecowas não aceitará nenhuma ação que impeça o bom funcionamento da autoridade legítima no Níger ou em qualquer parte da África Ocidental”, disse, em comunicado.
O governo da Alemanha também condenou o golpe. “Estamos acompanhando com grande preocupação os acontecimentos no Níger. Condenamos a tentativa de setores militares de derrubar a ordem democrática constitucional do Níger e os exortamos a libertar imediatamente o presidente democraticamente eleito Bazoum e retornar a seus quartéis”, declarou o Ministério do Exterior alemão.
Fonte: jps (DPA, AFP, ots)